A educação positiva é uma tendência que vem ganhando cada vez mais adeptos, conforme avançam os estudos acerca do desenvolvimento saudável das nossas crianças e jovens. Entretanto, ao que parece, cresce também o número de pessoas que entraram em contato com a proposta de um modo enviesado, filtrado e fornecido nos pequenos pacotes de informação disponibilizados nas redes sociais. Se por um lado proporcionou certa difusão do conceito, por outro também colaborou na sua distorção, colocando-o como sinônimo de permissividade.
Em parte, isso se explica pela natureza de longa duração do nosso imaginário social. O conceito de infância é uma construção relativamente recente. Em tempos não tão distantes assim, considerava-se a infância não como uma etapa da vida na qual temos necessidades fundamentais ao nosso desenvolvimento, mas como um espelhamento da vida adulta. Isso não significa que as crianças e os jovens não eram amados, mesmo que o contexto social levasse a formas chocantes de relação.
Com o passar dos anos, as crianças passaram a ter direito ao que aprendemos ser uma infância. Mas isso não bastou. As heranças dos tempos nos quais o trato era a severidade extrema, a violência física, a precocidade das responsabilidades e a desconsideração das necessidades que transcendessem a mera manutenção do corpo, ainda geram poderosos ecos. E contra essa corrente de longa duração, a educação positiva se ergue no horizonte.
O primeiro pilar da educação positiva é o reconhecimento dos sentimentos e necessidades intrínsecas à infância e juventude. A prática desse primeiro pilar se materializa no segundo, pelo qual devemos desenvolver com as nossas crianças a empatia, ou seja, descentrarmos da nossa posição para tentar entender a perspectiva delas na vivência dos fatos do dia a dia. Isso nos leva a estratégias baseadas no diálogo e aqui as coisas ficam mais desafiadoras. Construir uma comunicação aberta é estar disposto a criar um ambiente de confiança e um genuíno esforço de compreensão.
Isso não significa, ao contrário do que se argumenta, que se deva dizer sim para tudo ou deixar a criança fazer o que bem entender. O processo de comunicação aberta é também e fundamentalmente, uma oportunidade de limitação ou sublimação dos desejos. A diferença é que costumamos usar a via de menor esforço e desgaste, evitando como adultos o desprazer e o julgamento externo dos outros adultos, fazendo ameaças ou apelando à agressividade por meio de constrangimentos, coações, castigos desproporcionais e, não raro, agressões físicas.
Na comunicação, os limites devem ser deixados de modo claro, assertivo e com uma firme demonstração de que para determinados comportamentos há consequências relacionadas. Por exemplo, o abuso no uso do celular deve acarretar a firme resolução da sua proibição temporária e não a retirada de uma refeição, a perda de um outro lazer ou confinamento no quarto. A desproporcionalidade e a falta de relação de causalidade jamais contribuirão para a consolidação dos limites, muito menos para a consciência do que é certo ou errado.
Outro aspecto importante da educação positiva é a cultura do elogio e da valorização. Geralmente, o senso comum extrapola esses sentidos para uma anedótica prática vazia de elogiar qualquer coisa ou achar que cada demonstração de existência dos pequenos deve ser tratada de modo caricatural como a maior realização da evolução humana de todos os tempos. Não se trata absolutamente disso. Todos temos acertos e falhas no nosso processo de desenvolvimento, ambas são partes importantes do aprendizado.
Porém, vale muito mais a pena reconhecer e valorizar o esforço e o crescimento do que estigmatizar os pequenos em suas falhas. Exemplo simples, uma criança aprendendo ainda as operações matemáticas apresentará dúvidas e erros. Dar suporte e fazê-la perceber os seus esforços e progressos é um caminho assertivo e isso não significa jamais endossar o erro. Vale também para a vida, na qual os erros vêm acompanhados de consequências e valorizar o reconhecimento do erro não impede de vivenciar a responsabilidade por eles.
A educação positiva tem como pressuposto o envolvimento, o tempo verdadeiramente de qualidade que passamos com as nossas crianças, a nossa capacidade de oferecer a elas escolhas e espaços de autonomia e decisão. Aqui o senso comum berra desesperadamente, considerando absurdo que as crianças tenham vontades e escolhas, devendo elas unicamente obedecer subservientes aos comandos impostos pelos adultos. Espaços de escolha e protagonismo não significa dar à criança o comando das situações.
Por fim, educação positiva não é o mesmo do que educação permissiva, essa sim nociva. A permissividade pode ser um mero escapismo do nosso papel de adultos educadores ou mesmo a reprodução da nossa própria psique adoecida e profundamente deformada. Deixar que a criança faça o que quer do modo que quer, fazer com que as pessoas se dobrem indiscriminadamente aos seus desejos, fazê-la acreditar que ela é ou tenha que ser melhor do que as outras pessoas ou que deva ter privilégios a despeito delas não cria adultos éticos, funcionais e equilibrados.
O importante é não confundirmos as coisas e tomarmos a positividade como permissividade e, com isso, justificar as relações abusivas como a verdadeira educação.
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