A jornada da nossa existência é feita de possibilidades. Durante o percurso, gastamos parte considerável do nosso tempo (e da nossa saúde mental e emocional) tentando estabelecer tudo o que nos falta para conseguirmos atingir um ponto de definição. Com as redes sociais e a fase atual das relações de produção, trabalho e consumo, é fácil compreender esse fenômeno.
Nosso existir no mundo não é um exercício solitário, obviamente. Ao contrário, se faz e refaz socialmente e busca no outro o reflexo que aponta para os traços que criam nossa autoimagem. Às vezes a esse outro é concedido ser para nós mesmos um parâmetro, às vezes um validador, ou mesmo uma espécie de modelo. Assim, crescemos tanto sob o escrutínio do que dizem os outros sobre nós, quanto das pressões exercidas pelas forças condicionantes, que tentam delimitar qual será nosso espaço previsível de vivência e, nele, todo o conjunto dos nossos comportamentos, gostos, relações e porque não dizer, de tudo o que compõe a noção que temos do nosso “eu”.
Já as redes sociais exercem uma espécie de pressão de expectativa. Olhamos o que o outro escolheu deliberadamente nos mostrar e incorporamos esse material como algo que nos falta. E se nos falta, a tensão se instala quando passamos a acreditar que o nosso ideal de ser, estar e permanecer no mundo só se realizará quando pudermos mimetizar na nossa vida a vida de quem tomamos como modelo.
Isso não significa que todas as influências são negativas ou geradoras de angústia. Podemos ver o que nos falta como um novo propósito que se descortina, dando sentido ao que somos e ao fato de existirmos. Só que isso se aplica tão somente os conteúdos onde podemos identificar virtude, realização de valores, resiliência e dedicação. E esse material não é tão abundante.
O perigo maior de tudo isso é o determinismo. Quando cristalizamos a crença em uma autoimagem que confunde imutabilidade com virtude, teimosia com persistência e que adesiva nosso eu com figuras que nos definem como não belos o bastante, incapazes, incompetentes, não inteligentes o bastante, entre outros, nos trancamos em um submundo perigoso de depreciação. Nesse lugar, não há espaço suficiente para nada que não seja vitimização, autopiedade, rancor e culpa (especialmente a dos outros...)
A beleza da jornada da existência é que podemos escolher como vamos lidar com ela, e para isso temos que nos dar a liberdade e o poder de fazer os ajustes ou mudanças necessárias no que somos, no que pensamos e no modo como existimos. Essa capacidade, no entanto, implica em decisões. Muitas delas podem apontar como necessário nos dar o tempo da cura também. Ressignificar o que recalcamos, curar traumas, mudar hábitos alimentares, redefinir prioridades e cuidar de si integralmente (e não com a crença arraigada de que temos “saúdes”, física, mental, emocional e espiritual, como instâncias separadas).
Desse modo, seremos capazes de traçar as rotas, como peregrinos que somos.
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